12 de jun. de 2009

Como se fosse

Bruna Lombardi

Nessa memória essa ela era eu
E não tinha luz de vela,
mas só muito depois (quantos anos?)
é que escureceu.

Foi então que eu soube de você menino
Curto calção
E das histórias de assombração
Que você aprendeu primeiro.

E eu te contava do medo
Do escuro e do silêncio
Que eu não perdi, acredite.

A gente ia pro moinho
Escondido no meio do mato
E era você quem falava
Você que tudo sabia
Você que até já tinha
Visto um javali.

E era eu quem fugia dos bichos
E hoje continuo fugindo
De outros mais graves, mais feios
Que me habitam.
E não há faca, espingarda
Pedra ou caco de vidro
E nem grito nem veneno
Que afugente essa ausência
Ou que essa solidão tema.

E você era o valente
Montava cavalo em pêlo
Nadava na correnteza
Desbravava mato cerrado
E de noite então, ia sozinho...

E me chamava gritando
Do cimo do morro mais alto
E eu subindo devagar (hoje eu desço)
Desço à rua em movimento
E é sempre a mesma estúpida vertigem.
Fantasmas de pedestres em todos os sentidos
Uma duplificância de ruídos demais
Uma impressão de coisa já vivida
E é sempre o mesmo medo
De me expor, a mesma desproteção
Sob a geometria caótica da rua.

E eu tentava imitar você
Tentava tanto ser
Mas você era dessas almas fortes
Que circulavam livremente
E eu tentava... mas como?
De que jeito?
Era como mudar a natureza
E a natureza já estava lá quando chegamos.

Com o facão de um só golpe
Você cortava a cana
Enquanto eu imaginava
Num acidente tolo
O facão me desventrando
E tripas, sangue e cana misturados
Com terra e roupa suja
E o meu chapéu de palha atirado longe
E o sol ardendo muito. O mesmo sol.

Depois você me ensinou a contar mentira
E eu fui aprendendo com grande habilidade
E desde então tenho me mentido muito.

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