Tenho um quadro, não tenho parede.
Tenho a
palavra, não tenho voz.
Tenho um
piano, não sei tocar.
Tenho um
abrigo, mas não um lar.
Tenho a
medalha, sem ter ido à guerra.
Tenho um
antepassado, mas não lembro o passado.
Tenho a
caneta, me falta papel.
Tenho uma
conta no banco, não tenho moedas.
Se tenho
perguntas, não vem respostas.
Se tenho
soluções, me faltam problemas.
Tenho um
desafio, perdi a coragem.
Tenho uma
música, não tenho platéia.
Tenho um
sonho, acordo sempre entre pesadelos.
Se tenho
uma reza, ninguém escuta.
Se tenho
um apelo, me falta apoio.
Tenho uma
muleta, mas consigo andar.
Tenho os
livros, não aprendi a ler.
Tenho
carinho para dar, não sinto vontade.
Tenho
abandono, não tenho ninguém.
Tenho saudade,
não consigo o reencontro.
Tenho a
alegria, não tenho com quem compartilhar.
Tenho uma
lágrima, não tenho um ombro.
Se tenho
pão, não sinto fome.
Se tenho
sede, me falta a bica.
Tenho um
trabalho, não tenho capacidade.
Tenho a
inteligência, não sei usar.
Tenho um
objetivo, me falta a força.
Se tenho
acolhida, já vou embora.
Se tenho
solidão, ninguém abre a porta.
Isso tudo
me faz pensar que
Se me
faltam tantas coisas,
Se me calo
em tantos momentos,
Se tenho e
não quero,
Se quero e
não tenho,
Se choro
em vão em busca do futuro
Fugindo do
passado,
Se corro
riscos desnecessários,
Se me
lamento por nada ter
É porque
ganhei de presente a vida,
Só não sei
mesmo é viver!
(Década de
80)
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