13 de dez. de 2011

Balada do louco insatisfeito

Maria Tagarela

Tenho um quadro, não tenho parede.
Tenho a palavra, não tenho voz.
Tenho um piano, não sei tocar.
Tenho um abrigo, mas não um lar.
Tenho a medalha, sem ter ido à guerra.
Tenho um antepassado, mas não lembro o passado.
Tenho a caneta, me falta papel.
Tenho uma conta no banco, não tenho moedas.

Se tenho perguntas, não vem respostas.
Se tenho soluções, me faltam problemas.

Tenho um desafio, perdi a coragem.
Tenho uma música, não tenho platéia.
Tenho um sonho, acordo sempre entre pesadelos.

Se tenho uma reza, ninguém escuta.
Se tenho um apelo, me falta apoio.

Tenho uma muleta, mas consigo andar.
Tenho os livros, não aprendi a ler.
Tenho carinho para dar, não sinto vontade.
Tenho abandono, não tenho ninguém.
Tenho saudade, não consigo o reencontro.
Tenho a alegria, não tenho com quem compartilhar.
Tenho uma lágrima, não tenho um ombro.

Se tenho pão, não sinto fome.
Se tenho sede, me falta a bica.

Tenho um trabalho, não tenho capacidade.
Tenho a inteligência, não sei usar.
Tenho um objetivo, me falta a força.

Se tenho acolhida, já vou embora.
Se tenho solidão, ninguém abre a porta.

Isso tudo me faz pensar que
Se me faltam tantas coisas,
Se me calo em tantos momentos,
Se tenho e não quero,
Se quero e não tenho,
Se choro em vão em busca do futuro
Fugindo do passado,
Se corro riscos desnecessários,
Se me lamento por nada ter
É porque ganhei de presente a vida,
Só não sei mesmo é viver!

(Década de 80)

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