De raiva!
Pois bem.
Como toda filha amorosa e preocupada em agradar a mãe,
Rosana decidiu fazer uma caridade.
Levaria Tutu para visitar os túmulos dos entes queridos
sepultados em Igarapava.
Aproveitariam o feriado de Finados e após a visita ao
cemitério, enquanto Tutu passasse algum tempo com tia e prima que há tempos não
viam, Rosana reencontraria amigas da infância e adolescência. Uma delas, pra se
ter ideia, ela não via há mais de 35 anos!
Viagem prazerosa com mãe e filha conversando, rindo e
cantando pela estrada. Chegaram ao destino.
Momentos de oração e fé. Tutu observando o silêncio
reverencial das pessoas e as lindas flores no cemitério.
Respirou aliviada e agradecida por ser ela a visitante,
não a visitada!
De lá, seguiram para a visita familiar.
Depois dos cumprimentos e de algumas palavras trocadas,
Rosana foi para o encontro combinado com as amigas queridas, regado a muita
cerveja boa e deliciosos petiscos.
O papo rolando solto, cada pessoa sendo lembrada e claro,
a vida passada em revista, com os tradicionais comentários das que enviuvaram,
casaram duas ou três vezes ou as que ficaram para titia...
Rosana, cuja marca principal é o lindo sorriso que
ilumina seu rosto, já tinha que segurar os cantos da boca porque doía o quanto
ria!
Nem se dava conta do tempo.
Não muito distante dali, Tutu bocejava.
Pensava do alto dos seus 71 anos, qual teria sido a
última vez que vivera cena tão mórbida quanto aquela.
A tia, uma senhorinha da casa dos muitos “enta e tantos
anos” e a prima, um ano mais nova que ela própria, contavam pormenorizadamente
os recentes acontecimentos “notórios” de suas vidas. Lembravam em detalhes a
quantidade de tubos de soro de cada internação, as alergias constantes, as
enxaquecas e constipações.
Serenamente Tutu ouvia, mas sua mente divagava, buscando
as cenas dos feriados em sua casa... Barril prateado com serpentina diretamente
vinda do Chopp Sol, picanha suculenta ardendo na churrasqueira e uma galera
bonita, jovem, divertida, jogando buraco, contando piadas, sambando e falando
das boas coisas da vida!
Olhava o relógio pela trigésima oitava vez...
Compreendia que a filha querida passara por momentos
tristes nos últimos tempos e precisava muito de boas companhias e alegria, mas
será que podia imaginar o tipo de tortura a que estava submetida?
Escoriações, dores nas costas, inchaços nas pernas, dores
de garganta, muitas infecções. Tutu lembrou até da música dos Titãs... “E o
pulso, ainda pulsa!”
De repente, chega o moço da farmácia pra ver se estava
tudo ok com as pressões das parentas. Ela quase pediu pra ver a
sua...
Mentalmente agradecia a Deus por ter tido destino
diferente, mas de novo, como um anjo mau, a mente trazia-lhe a imagem do copo de
chopp e a espuminha branca caindo pela lateral do copo... O maço de cigarros na
bolsa desesperado, querendo saltar e ser queimado, mas como fumar na frente da
tia? Jamais!
Como a pobrezinha sofria!
Como que por ironia, à sua frente, bolinho de chuva e
leite fervido...
A tia então se lembrou de algo que queria mostrar à Tutu.
Foi buscar. Ela pensou que devia ser o álbum com as fotos dos netos. Ledo
engano! Era o último hemograma completo, mostrando uma pequena alteração na taxa
da hemoglobina!
Rosana, por outro lado, nem lembrava mais que era
finados, parecia dia de festa, de aniversário! Ali, com as amigas do passado,
sentia que renascia! E o papo não morria!
Foram duas, três, quatro, cinco, seis horas!!!
Finalmente pensou que sua mãe devia estar cansada de
esperar por ela.
Despediu-se das amigas, e ainda com sorriso nos lábios,
com cara de imensa felicidade, encontrou uma Tutu que desconhecia!
Só não apanhou da mãe porque as doenças todas propagadas
pelas parentas a contaminaram de tal forma que estava sugada, sonolenta e
cansada!
Pouco tempo depois, na estrada, já contagiada pela
alegria da Rosana, Tutu contou o quanto observara do silêncio e paz do cemitério
e depois o desfiar de um rosário sem fim de lamentações e dores da prima e da
tia.
Sentenciou finalmente:
“- Olha aqui, minha filha, se eu soubesse que esta era
a tarde que me aguardaria, te juro, eu tinha ficado lá no cemitério até o fim do
dia!”...
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